sábado, 7 de março de 2009

Confesso


Se algum dia arranjar coragem era esta a opção que eu escolheria...

"Mãe... Pai... Não espero de vocês a melhor reacção ao que tenho para vos dizer há já algum tempo... não planeei escrevê-lo, mas não sou capaz de continuar nisto por mais tempo, nesta mentira, a assumir o peso de algumas das expectativas que sei que vocês depõem em mim e a que eu serei, jamais, capaz de corresponder, por isso vos escrevo... talvez já saibam, talvez isto seja tudo desnecessário, mas quando os vossos olhos pousarem nestas linhas eu espero já estar bem longe para não ter que reparar noutros gestos, palavras e expressões que me firam ainda mais do que outros que vocês têm insistido em usar desde sempre, sobretudo ultimamente...Sim, sou homossexual, uma dessas aberrações que vocês abominam, um desses "bichos" que tanto vos repugna e serve de matéria para piadas subtis, mas a culpa não é minha. Não é vossa. Não é de ninguém. Não preciso de pena, de mais guerras, nem de mais olhares estranhos... preciso de estar só, comigo, de viver a minha vida, de ser quem sou sem vergonha, medo, sentimentos de culpa... não Mãe, não erraste em nada; não Pai, tu também não; não pensem nisto como um erro da natureza... é um facto, não é uma doença; é um atributo meu tão natural como o facto de ser rapariga, não o resultado de algum erro vosso... eu levei muito tempo para perceber isto e por isso não espero que o entendam já; sei que não é fácil nem é um assunto que, sobretudo para vocês, possa ser encarado de ânimo leve...Não sintam culpa de nada, não se consumam em interrogações vãs e mútuas por causa disto... isto é um assunto meu... lamento se logrei os vossos sonhos, os vossos desejos, as vossas expectativas, a vossa vontade de ter uma filha "normal", mas eu preciso demasiado de ser feliz para poder abdicar daquilo que sou. Perdoem-me as noites a chegar a casa com os olhos enevoados do choro e os silêncios suspeitos calados atrás da porta do meu quarto, mas acreditem que não podia ter sido de maneira diferente. Eu vou viver com isto. E procurar ser feliz. A única coisa que vos peço é que respeitem estes parágrafos que tão dificilmente sairam de todo este silêncio de anos, não que aceitem, que procurem lidar com o assunto e, muito menos, justificar seja o que for... eu preciso disto, acreditem. Lamento que as coisas não tenham funcionado melhor entre nós e, talvez, o facto de não ter tido a coragem suficiente para vos dizer a verdade... cara a cara. Não escrevi isto para vos fazer sofrer, mas para vos poupar das dúvidas que talvez já tivessem tido e sobretudo para cessar com a mentira, e poupar-me de mais dor...Desculpem-me se não queriam saber, se sentem que vos teria podido poupar disto... mas sinto que não podia ter sido de outra forma... Um obrigado por terem lido isto até ao fim, um obrigado por tudo até hoje... um pedido de desculpas se foi demasiado brusco para vocês lê-lo assim, tão de surpresa e quase sem jeito, mas não permitam que isto afecte em nada a vossa vida... eu vou viver a minha; não vos peço nada, não precisam de voltar a encarar-me se não quiserem, nem de facilitar esforços... espero que fiquem bem, de todo o coração..."

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